domingo, 1 de abril de 2018

“O OVINHO DA SÔPA DA VÓ ANGELINA”

À beira da estrada de rodagem, Lages-São Joaquim, cerca de uns 30 Km antes de São Joaquim, no “Portão Encarnado” (vermelho desbotado cor de carne), aquela porteira de madeira, provavelmente, ali tivera aquela cor que nunca vi. Sempre a vi cinzenta, marcas do tempo...algum musgo esverdeado sob as travas..sempre rangendo quando aberto, pois seu eixo era giratório no buraco da tronqueira, escavado com enxó, batendo forte quando largávamos para fechar. Marcava ali a entrada para meu mundo de alegrias: a “ invernada de cima da Fazenda Santa Rita.” Vô Boanerges construíra a morada, numa chapada pequena. Varanda voltada para o Sudoeste, o vento Minuano açoitava com frequência, vindo forte da região da Coxilha Rica. O uivo do vento campeiro, gélido, atravessava as frinchas das portas, os buracos de nós- de-pinho das paredes, um assovio com prenúncio do frio. Na noite, à luz de velas e lamparinas, as chamas dançavam lúgubres, tremiam...nossos olhos pequeninos, espreitavam com temores do escuro, se apagassem, vó Angelina demoraria um pouquinho para pegar um tição, na boca do fogão, soprar e encostar uma palha de milho, fazer uma chama na palha e reacender a vela ou a lamparina de querosene ! Luz...novamente, o silêncio do escuro era substituído com suspiros de 3 meninos 7 e 8 anos de idade aliviados com retorno da claridade “sem assombração”. Primos que (dois de São Paulo, (Capital) e um de Lages. Férias de Julho ou final de ano. Os dias de Julho, são cinzentos, os pastos em volta da casa, são dourados, queimados pelas geadas. O entardecer é rápido. Pouco antes do crepúsculo, a porcada criada solta nos campos, comendo pinhão, retornavam para dormir no monte de depósito adubo(esterco sêco do gado) sob o pequeno pinheiro na frente de casa. De cima da taipa fronteiriça do pátio, os 3 meninosArmandinho, Renato (Bilí) e Tadeu adoravam assistir à acomodação dos suínos, que deitam-se lado a lado, para se aquecerem e nenhum deles, gosta de deitar-se nas pontas, onde um dos lados do corpo, estará desprotegido do Vento Minuano ou da noite de geada. Os mais novos e ágeis chegavam correndo e procuravam o centro, os mais velhos e gordos, lentos, chegavam atrasados , disputavam os locais centrais e então armava-se o espetáculo. Ninguém queria ceder o lugar, era uma disputa de grunhidos e mordidas...conhecíamos cada um deles e quais os lentos... os ágeis...os novos...os velhos e dávamos nome como: “Pintado, Manchinha, Pitoco, Osquinho, Manco, Birrento”. A cada disputa grunhida com mordida, armava-se nosso teatro, para assistir quem seria banido para as pontas. Ríamos às gargalhadas ! Vô Boanerges, costumava chegar na janela da varanda, pitando seu palheiro e espiar os netos empoleirados no alto da taipa, apreciando o “combate suíno” ! Terminado o show suíno, entrávamos na fila da gamela, para lavar aos pés. Pés de meninos que raramente usavam calçados, mas descalços, sempre com pequenos ferimentos, cortes ou pequenas feridas punctórias de espinho...pés que ardiam na água esperta (quente) com sabão de cinza. Não podiam reclamar, o reclamante era” manhoso e homem que é homem, não tem manhas.” Mesa de jantar pronta, Vô Boanerges da cabeceira, panelão de sôpa no centro da mesa, éramos servidos por Vó Angelina, ficávamos torcendo para que na sôpa de arroz com batata e ovo, fôssemos sorteados com “ovinho”, pedaços de clara de ovo cozida da sôpa . Naquela noite, Boanerges Neto, meu irmão mais velho (então com 13 anos) , fôra sorteado com “um ovinho com gema” (pedaço de clara com parte da gêma) ...e sorveu sua sôpa pelas bordas, preservando o “prêmio” para o final. Não cansava de esnobar o “bendito ovinho” a mim e meus dois primos, invejosos, sentados ao seu lado, no banco comprido da mesa, junto à parede da cozinha. Eis que então, Armandinho, com sua colher, gritando alto, disse: “ôba ! Um ovinho !” De sobressalto apanhou o “ovinho” do prato do Boanerges Neto e rapidamente enfiou na boca e sorveu deliciando-se. Pronto ! Armou-se um berreiro do mano Boanerges Neto e risadas por todos os lados. Tia Selma, Tia Cota, Vó Angelina e Vô Boanerges afogaram-se de tanto rir ! Vó Angelina acudia o berreiro do Neto , eu e Renato adorávamos a tragédia...eu e Bilí, estávamos em desvantagem, porque não ganháramos nenhum pedaço, mas o prazer de ver o “esnobe” no berreiro e reclamação e a Vó Angelina acudindo o “pobrezinho”... foi delicioso. Não me culpem, não me julguem...vocês não estavam naquela mesa...não sabem o que é, um sabor de “ovinho da sôpa da Vó Angelina”. A calmaria só voltou, à mesa, quando vó Angelina, foi até à parede da Dispensa, buscar a guampa com coalhada, que sorvemos em pratos fundos, com “açúcar grosso”, mascavo! Noite de muitas risadas...camas de pelego...vento minuano uivando nas frinchas! Texto de ADILSON TADEU MACHADO