quarta-feira, 18 de janeiro de 2017

“Sargento Sammy Davis Junior – 1967 - Mosquitos do Pantanal”

Subíamos o rio Paraguai, em direção à Cáceres MT, a bordo do barco BILAC, propriedade do 2º Batalhão de Fronteira, situado naquela cidade. Estávamos servindo ao Exército Brasileiro, numa ilha remota do Pantanal, a 480 KM em linha reta, rio abaixo em direção à Corumbá. Retornava à sede Cáceres, depois de 6 meses no Destacamento de Bela Vista do Norte, ilha do pantanal entre as lagoas Gaíba, Uberaba e rio Paraguai. Era o ano de 1967, mês de Setembro. O barco era o nosso principal supridor de gêneros alimentícios e também transportador dos “pedidos mensais” que fazíamos, por radiogramas telegráficos, da Estação de Rádio MT-23 de Bela Vista do Norte. Uma vila com 8 casas de estuque, um casarão de madeira (quartel) e oito famílias de soldados e alguns ribeirinhos, mantendo a guarnição daquela remota fronteira com a Bolívia. Em acordo tácito, com o Comandante do Batalhão de Cáceres, poderíamos a cada 6 meses, retornar ao “mundo civilizado”, para permanecer por 2 semanas em Cáceres e desfrutarmos de “arejamento”. O tempo era usado para “tratamento dentário” ! Tínhamos que trabalhar expediente normal, no 2º Bfron, como operador radiotelegrafista, mas desfrutávamos de coisas, como cinema, bailes, domingueiras e a “paquera” na Praça Barão do Rio Branco, onde as moças circulavam num sentido e os rapazes no outro, flerte à moda antiga. Neste retorno à Caceres, além da tripulação do barco, seguia conosco o Sargento Barbosa, sargenteante da 2ª Companhia do Batalhão, que fora chefiando a tripulação do barco Bilac até Bela Vista do Norte e agora retornava. Com 18 anos de idade, tudo para mim era novidade, paisagens beira río, animais, aves, répteis, seguíamos o rio acima e parávamos em “portos”, conhecidos da tripulação, onde amarrávamos as redes de dormir, com mosquiteiros em àrvores, e passávamos à noite. O Mosquiteiro, na parte inferior, precisava estar muito bem fechado, porque os mosquitos do pantanal, nos “ferravam”, mesmo através do tecido da rede, uma infernal noite se você não tomasse precauções. O vento quente do pantanal, não tem frescura. Acordei no meio da noite, com uma nuvem de mosquitos, dentro do mosquiteiro, acendendo à lanterna, encontrei a parte inferior do mosquiteiro, aberta e sustentada por gravetos, por onde recebia a infestação maciça dos vorazes mosquitos do pantanal. Ouvi algumas risadas, mas não sabia, quem havia aprontado comigo a maldosa ação ! Passei o resto da noite, virando-me e abrindo mosquiteiro, tentando escorraçar os vorazes predadores hematófagos e mentalmente xingando o engraçadinho. Dia seguinte, após o café da manhã improvisado na barranca do rio. Seguíamos rio acima...quanto mais longe da margem, menos ataques de mosquitos. Todos viajávamos sem camisa, calor do pantanal, barco se deslocando, um vento amenizava a temperatura. Escrevia meu “Diário”, um livro de capa-dura, onde desde que chegara ao Mato Grosso, resolvi registrar o dia-à-dia de minha estada por lá. Foram 18 meses. Mesmo viajando longe das margens do rio, um ou outro mosquito, nos alcançava e pousava em nossas costas nuas. Foi então que o Sargento Barbosa (Sammy Davis Jr), carioca, mulato, gozador, bigode e mento semelhante ao artista norte americano, deu-me um violento tapa de mão espalmada, em minhas costas, daqueles que fica o “vergão” mostrando as marcas dos dedos. Voltei-me irritado e pronto para reclamar da brincadeira de “mal gosto”...o carioca exibia aquela simpatia de sorriso...mostrando-me sua mão, e em um dos dedos, um frangalho de mosquito e gotas de sangue que “supostamente” fora sugado de minhas costas. Com isto “justificava” a intensidade do tapa. Risadas gerais no barco. Acontece que este fato ainda se repetiu umas três ou quatro vezes, ao longo daquela manhã e demorei a perceber que Sargento Barbosa (Sammy Davis Jr), batia-me com força nas costas com a mão direita, mas mostrava-me com a mão esquerda, o mesmo e único mosquito, que ele mesmo capturara e montara o artifício, para justificar cada tapa que aumentara com a intensidade. Fui naquela manhã, o “bobo do barco” ! ADILSON TADEU MACHADO.