quarta-feira, 1 de junho de 2011

Um amigo leve

Um amigo leve - texto de Danuza Leão

É sempre assim: com tanto para fazer e sem tempo para nada, a gente acaba negligenciando um monte de coisas, entre elas nossos afetos. E como os sentimentos não sobrevivem sem uma certa atenção, um dia se começa a achar que o coração não consegue – gostar, ou ao menos sofrer por alguém. Mas o tempo passa, aquele amigo que a gente via o tempo todo viaja e um belo dia você sente saudades dele. Preste atenção: este fato é mais merecedor de uma comemoração do qualquer data querida. Ter saudade de um amigo, há quanto tempo isso não acontecia? Ah, que coisa boa. Uma simples saudade faz com que você se sinta viva, mesmo que sejam saudades apenas de um amigo- como se um amigo pudesse ser chamado de “apenas”. Mas tantas vezes você amou apaixonadamente, e quando ele fez uma viagem sentiu um alívio, até para descansar de tanta paixão e poder encher de cremes, sem ele por perto para reclamar? E tem melhor do que de vez em quando ter aquela cama enorme só para você, e até dormir com a televisão ligada ? Ter amigo é coisa muito boa, e sendo que não te patrulha, não te inveja, não te analisa nem discute a relação, é bom demais – é raro. Um amigo tão bom que te aceita do jeito que voce é, que não faz perguntas indiscretas, que te atende e está por ali sem ser, jamais invasivo. Você sabe de certas particularidades dele, e ele das suas, mas delas não falam, só quando é necessário. E com pouca intimidade. O excesso de intimidade pode ser fatal, mesmo entre mãe e filho, marido e mulher. A intimidade fisica não é nada perto da dos pensamentos e sentimentos. Pode ser pior do que ouvir a pergunta “em que voce está pensando?” Pode sim: é quando alguém tenta analisar a razão pela qual você disse ou fez determinada coisa num determinado dia, pretendendo assim, conhecer você melhor do que você mesma se conhece. Um distanciamento saudável é indispensável as boas relações humanas. Qual a qualidade que deve ter um amigo ? Bem, além das clássicas como lealdade, fidelidade, discrição sobre as intimidades que ouviu nas horas de aperto, disponibilidade para ouvir histórias, bom humor, e mais o que ? Leveza. Ter um amigo leve é uma benção dos céus. Não espere dele considerações sobre a vida e a complexidade dos sentimentos humanos, mas ninguém será melhor companhia para jantar, viajar, conviver, do que um amigo leve. Já pensou passar três dias seguidos com um amigo profundo? Se estiverm tomando banho de mar, ele pode se lembrar do tempo em que era criança, falar da relação que tinha com a mãe e o pai, e daí para cair no divã é um pulo; eles gostam de falar como são tolos os banqueiros e politicos, que só pensam em dinheiro e poder e não compreendem que a vida real, etc. etc. Quanta profundidade. Com essa mania, quando estão numa rede em frente à praia comendo um camarãozinho frito e tomando uma cerveja estupidamente gelada, se esquecem de que nessa hora o bom é não pensar em nada. É isso que faz um amigo leve; ele não diz nada, apenas usufrui a vida, e quem tiver a sorte de estar perto dele vai ter momentos de grande felicidade – ou pelo menos quase isso. Com um amigo assim, até a vida fica mais leve.

texto de Danuza Leão – Folha de São Paulo 29.05.2011 – pg C2 cotidiano. Colaboração do amigo Antonio Gomes Coelho Filho